As constantes dúvidas de todo o empresariado brasileiro sobre a melhor forma de contratação de seus profissionais através de contratos particulares de prestação de serviço, por meio de pessoas jurídicas, são comuns e corriqueiras em nosso escritório.

São situações que que sempre, estão presentes os elementos configuradores do vínculo de emprego, vez que o próprio sócio da empresa contratada é quem se dedica à prestação direta dos serviços, e que em tese poderiam afastar juridicamente o vinculo trabalhista pelo contrato firmado.

Contudo, contratos desta natureza, passem pouca segurança jurídica para os respectivos contratantes em eventual Reclamação Trabalhista, em face da eficácia ou não aplicabilidade do art. 442-B da CLT, inserto pela Reforma Trabalhista no ano de 2017 (Lei 13.467/2017), e que gera até hoje profundos debates acerca da antinomia normativa em face do art. 3º do mesmo diploma legal.

O questionamento em tela diz respeito a um tema extremamente controvertido: a “PEJOTIZAÇÃO” na contração de autônomos.

A contratação desse tipo de profissional, na modalidade de pessoa jurídica, deve se cercar de diversas cautelas, não apenas na formalização do contrato, mas também na realidade fática do trabalho que será realizado, e que possivelmente poderá ser analisada em um processo trabalhista futuro, possibilitando concluir se existiu uma relação de empregado e empregador.

É muito comum que ao se iniciar o trabalho nesta modalidade contratual, a realidade fática se desvirtue para uma efetiva relação de emprego, na qual o contratado comparece na empresa com habitualidade, cumpre jornada fixada pelo contratante e se submete às ordens e fiscalização de um representante da empresa que o contratou.

Convém descortinar que o art. 2º da CLT traz a lume que empregador é toda empresa, individual ou coletiva que, além de assumir os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços.

No mesmo passo, o Art. 3º da CLT, prevê que: “Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

Em síntese, para a caracterização da relação de emprego faz-se necessária a presença de 4 (quatro) requisitos, cumulativos ou não, desde que inarredáveis, quais sejam:

1- ONEROSIDADE: necessidade de contraprestação do serviço. Por ser o contrato de trabalho um pacto bilateral e sinalagmático, onde o trabalhador deve fornecer sua mão de obra e, em contrapartida, deve ser remunerado por isso;

2- NÃO EVENTUALIDADE: este requisito nada mais é que a prestação de um trabalho contínuo e reiterado. Destaca-se que não há a necessidade de ser diário, mas sim paulatino e com habitualidade;

3- PESSOALIDADE: resume-se no fato de que o contrato de trabalho é personalíssimo, o empregado não pode simplesmente se fazer substituir por outro. Sendo o vínculo de trabalho estritamente pessoal e individual;

4 – SUBORDINAÇÃO: no contrato de trabalho o empregado tem uma subordinação jurídica junto ao empregador. Por ser este que dirige a prestação de serviço e assume o risco do negócio (alteridade), o empregado deve sujeição às regras, normas e orientações estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato, à função, desde que legais e não abusivas.

E esta relação, permanecendo deste modo, acaba por se revestir de todas as características de um vínculo de emprego, pois a prestação geralmente se dá por pessoa física, com habitualidade, pessoalidade, onerosidade, além de existir o principal elemento, a subordinação.

Não importa se existe um contrato de prestação de serviços, por meio do qual, a rigor, o contratado teria ampla liberdade de trabalho, com ou sem exclusividade, com autonomia para gerenciar as suas próprias funções e horário de trabalho, programação dos seus compromissos, bem como o direito de contratar outras pessoas para executar o trabalho, se na realidade o contratado é o único trabalhador de fato, e se reveste dos elementos previstos pelo artigo 3º da CLT.

A “PEJOTIZAÇÃO” se torna ainda mais evidente quando a empresa contrata a prestação de serviços ligadas à sua atividade-fim (Exemplo: Uma empresa que “pejotiza” seu Gerente Administrativo, ou um escritório de Arquitetura e Decoração que “pejotiza” seu arquiteto), o que insere o prestador de serviços no negócio principal da contratante, que por vezes possui empregados celetistas realizando o mesmo trabalho dos chamados ”PJs”.

Ocorre que a reforma trabalhista de poucos anos atrás (Lei 13.467/17), trouxe um artigo bastante polemico, e que vem chamando a atenção da classe econômica pela aparente possibilidade legal da terceirização dos serviços, com segurança jurídica, e que dispõe sobre a nova possibilidade de contratação de um trabalhador autônomo sem que isso “supostamente” gere vínculo de emprego, e que contrasta com a letra do art. 3º da CLT, vejamos:

“Art. 442.B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.” (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Todavia, a aplicação do dispositivo na prática é completamente labiríntica, dado ser quase que inexequível a tentativa de afastar o requisito da subordinação do trabalhador que presta serviços todos os dias em uma mesma empresa com exclusividade, apesar desta não ser um dos requisitos da relação de emprego.

Para elucidar tal questão, trazemos a baila os Enunciados 51 à 53 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho [1], que preconizam o entendimento de que o art. 442-B da CLT não impede o reconhecimento do vínculo de emprego quando caracterizados os requisitos do art. 2º e 3º da mesma consolidação, por aplicação do PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE DIANTE DO DESVIRTUAMENTO DO TRABALHO AUTÔNOMO, vejamos:

Enunciado nº 51 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Trabalhador Autônomo Exclusivo – Art. 9º da CLT. Trabalhador autônomo exclusivo. Reconhecimento da relação de emprego. A norma do art. 442-B da CLT não impede o reconhecimento da relação de emprego, quando presentes os pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT e configurado o desvirtuamento do trabalho autônomo, com fraude à relação de emprego, à luz do art. 9º da CLT.”

Enunciado nº 52 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Trabalhador Autônomo Exclusivo – Primazia da Realidade. Primazia da Realidade sobre a forma. É a primazia da realidade, e não a formalidade exteriorizada de atos e negócios jurídicos, que deve ser considerada para o reconhecimento do vínculo de emprego (arts. 2º e 3º da CLT) ou de trabalho autônomo (art. 442-B da CLT).”

Enunciado nº 53 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Trabalhador Autônomo contínuo e exclusivo. Limites e interpretação conforme inteligência do art. 442-B da CLT à luz da Constituição Federal. Presume-se o vínculo empregatício diante da prestação de serviços contínua e exclusiva, uma vez que a relação de emprego é direito fundamental (arts. 1º, III e IV, 5º caput e Art. 7º da CF/88), devendo o art. 442-B da CLT ser interpretado conforme a Constituição Federal para afastar a caracterização do trabalho autônomo sempre que o trabalhador, não organizando a própria atividade, tenha seu labor utilizado na estrutura do estabelecimento e integrado à sua dinâmica.”

Sendo assim, independente do trabalho autônomo ser pactuado com a cláusula de exclusividade ou continuidade, o que tende a ocorrer na Justiça do Trabalho é que, com a prestação de serviços contratada com profissionais de nível mais sofisticado de conhecimento ou habilidade, como médicos, advogados, engenheiros, artistas e etc., ficando ainda mais latente a fraude aos direitos que a CLT gera, nas situações onde a relação ao emprego se dá com a contratação deste trabalhador sob a forma de pessoa jurídica do tipo MEI (microempreendedor individual), ou de empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) ou similar.

Na exegese do exímio doutrinador e douto Procurador da Justiça do Trabalho, Prof. Henrique Correia: “o traço característico do contrato de autônomo é a ausência de subordinação jurídica, o que excluiria a formação do vínculo de emprego.” [2]

Nesta senda, quanto a necessidade de comprovação de subordinação jurídica do autônomo para com a empresa em que presta serviços, para que reste configurado o vínculo de emprego, temos que o entendimento majoritário e quase que unânime dos Tribunais Regionais do Trabalho e das Colendas Câmaras do TRT e do TST, preconizam o entendimentos colacionados abaixo, a saber:

RELAÇÃO DE EMPREGO. PROVA. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. A relação de emprego se notabiliza e distingue do trabalho autônomo primordialmente pela subordinação jurídica. Na sua ausência, impossível acolher a pretensão do reclamante.” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010418-12.2018.5.03.0081 (RO); Disponibilização: 14/03/2019; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Ricardo Antonio Mohallem)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. SÚMULA 126/TST. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. A egrégia Corte Regional, a partir da análise detida das provas colhidas na fase de instrução processual, concluiu pela existência dos elementos fático-jurídicos configuradores do vínculo de emprego (pessoalidade na prestação dos serviços, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica). Com efeito, para divergir dessas conclusões, seria necessário o revolvimento de fatos e provas, o que é defeso nesta sede recursal, nos termos da Súmula 126/TST. Acresça-se, outrossim, que a diferenciação central entre o trabalhador autônomo e o empregado situa-se na subordinação. Fundamentalmente, trabalho autônomo é aquele que se realiza sem subordinação do trabalhador ao tomador de serviços. Autonomia é conceito antitético ao de subordinação. Enquanto esta traduz a circunstância juridicamente assentada de que o trabalhador acolhe a direção empresarial no tocante ao modo de concretização cotidiana de seus serviços, a autonomia traduz a noção de que o próprio prestador é que estabelece e concretiza, cotidianamente, a forma de realização dos serviços que pactuou prestar. Na subordinação, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços transfere-se ao tomador; na autonomia, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços preserva-se com o prestador de trabalho. Nesse contexto, deve-se considerar o elemento marcante da relação retratada nos autos, relativamente à subordinação jurídica do Reclamante. No caso concreto, a relevância do poder de direção do empregador no tocante à prestação de serviços é patente e determina o vínculo subordinado da relação contratual. Considerando os demais elementos da relação de emprego, que estão presentes, segundo o Regional, não há falar em trabalho autônomo. Desse modo, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os termos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.” (TST – AIRR: 6311820125030097, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 04/06/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/06/2014).

Sendo assim, a consequência da contratação irregular via “PEJOTIZAÇÃO”, tem sido o reconhecimento do vínculo de emprego pela justiça do trabalho, com a determinação do pagamento de todas as verbas que tem direito um empregado regido pela CLT, além de todos os benefícios previstos pela convenção coletiva da categoria.

DA CONTRATAÇÃO REGULAR DO PROFISSIONAL AUTÔNOMO:

A contratação de forma legal é aquela realizada mediante Contrato de Prestação de Serviços Autônomos, tendo como forma oficial de pagamento pelos serviços prestados, a contra prestação do fornecimento do respectivo RPA – Recibo de Pagamento de Autônomo.

Sabe-se que a redação do art. 442-B da CLT diz que para que haja a contratação do trabalhador autônomo, devem ser observadas as formalidades legais. Ocorre que, a exigência de “formalidades legais”, deixa margem para interpretações vagas e imprecisas, vez que a Reforma Trabalhista – Lei 13.467/2017, foi omissa em não dizer quais seriam as formalidades necessárias ou onde estariam estabelecidas.

Cabe, portanto, a ressalva de que a única formalidade legal que juridicamente se vislumbra é o autônomo estar devidamente inscrito como contribuinte individual com inscrição perante o INSS (art. art. 12, inciso V, letra h, Lei nº 8.212/91) e na Prefeitura Municipal da cidade onde presta os serviços, com inscrição ativa no CCM – Cadastro de Contribuinte Municipal, devendo a empresa Contratante, fazer prova desta formalidade mediante a regular emissão e guarda das certidões de inexistência de débitos dos relativos tributos de INSS e ISS.

Salvo melhor juízo, cumpridas pelo Contratante todas as formalidades legais, a contratação através da assinatura de contrato escrito de Prestação de Serviços Autônomos, devidamente inscrito tanto no INSS como contribuinte individual como no CCM – Cadastro de Contribuinte Municipal, quites com suas obrigações tributárias, e remunerado através de RPA – Recibo de Pagamento de Autônomo, por si só o enquadra o contratado como trabalhador autônomo e afasta a condição de empregado celetista.

Esta seria a única forma segura de tal contratação, desde que cumpridas todas as formalidades legais acima, afastando com segurança jurídica a qualidade de empregado prevista no art. 3º da CLT. Nesta feita, conforme entendimento majoritário do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo – 2º Região, essa segurança afasta também a presunção de que o contrato de trabalho celebrado possui características de emprego, no que diz respeito da prova, de modo que passa a ser do contratado o ônus de comprovar que, muito embora tenha sido contratado como autônomo, em verdade, tratava-se de empregado, na forma do artigo 818, inciso I, da CLT, vejamos:

CONTRATO DE TRABALHO AUTÔNOMO. ARTIGO 442-B DA. Muito embora, de uma leitura apressada, possa-se concluir que o texto legal vigente, à época, ou até mesmo o atual, tenha fixado a possibilidade de contratação desenfreada de trabalhadores, como autônomos fossem, relegando, por completo, a possibilidade de se ter o vínculo de emprego declarado em Juízo, não é o que acontece. Isto é, como é cediço, o direito do trabalho é orientado pelo princípio da primazia da realidade sobre a forma. Logo, estando presentes na relação de trabalho os elementos fáticos-jurídicos caracterizadores do vínculo de emprego, certo é que o trabalhador foi contratado como empregado, mas não como autônomo, à dicção do disposto no artigo 9º da CLT. Nesse aspecto a redação do artigo 442-B, quer seja quando da vigência da MP ou não, em nada alterou os elementos consistentes de um contrato de emprego. Em outras palavras, havendo a prestação de trabalho por pessoa natural, com pessoalidade, onerosidade, subordinação e habitualidade, de forma cumulativa, é certo que há um contrato de emprego. No entanto, o novo texto legal, ao disciplinar que a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação, instituiu que, preenchido os requisitos formais, a presunção é de que o contrato de trabalho celebrado não é de emprego, de modo que passa a ser do empregado o ônus de comprovar que, muito embora tenha sido contratado como autônomo, em verdade, tratava-se de empregado, na forma do artigo 818, inciso I, da CLT, e desse ônus o reclamante se desvencilhou de forma satisfatória. Recurso ordinário da reclamada a que se nega provimento.” (TRT-2 10007147020185020473 SP, Relator: MERCIA TOMAZINHO, 3ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 11/03/2019)

Dr. Rodrigo Claudino Teixeira da Silva
OAB/SP: 184.207
Teixeira e Marques Advogados

[1] 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho: Evento promovido pela ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), que reuniu mais de 600 juízes, procuradores e auditores fiscais do Trabalho, além de advogados e outros operadores do Direito, que debateram sobre a interpretação e aplicação da Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), com o objetivo de organizar os enunciados por assunto e de facilitar a pesquisa para todos aqueles que, de uma forma ou de outra, lidam com o Direito do Trabalho em seu dia a dia, em especial Juízes, Desembargadores e advogados trabalhistas.

[2] Correia, Henrique. Direito do Trabalho. Editora Juspodvin. 4ª Edição. 2018. Pág. 332.

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