Data: 01/05/2021
Como já abordado anteriormente em nossa recente publicação PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO NOS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, afetar o patrimônio em um empreendimento imobiliário, significa separar determinados bens em um núcleo patrimonial diferente do patrimônio total da empresa construtora/incorporadora, e vinculá-lo apenas ao empreendimento que será construído, garantindo-se que os valores confiados pelos adquirentes ao incorporador sejam realmente destinados ao empreendimento, tanto para a construção em si, como para os gastos acessórios.
Desta forma, os bens continuam sendo de propriedade do incorporador, mas estão “afetados” para um propósito específico, que é a realização e conclusão do empreendimento. Por outro lado, afasta-se o núcleo patrimonial afetado dos riscos assumidos pela empresa, e que sejam estranhos à obra. Assim, por exemplo, os valores recebidos pela venda das unidades não poderão ser usados para cobrir dívidas que não estejam relacionadas ao próprio empreendimento.
O patrimônio de afetação é uma forma de dar segurança e confiabilidade tanto aos adquirentes (para que se sintam confortáveis com a aquisição de unidades imobiliárias que ainda serão construídas) como às Instituições financeiras, que geralmente condicionam a concessão de financiamento ao registro da afetação na incorporação.
1. DA COMPOSIÇÃO DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO:
Conforme dispõe o Art. 31-A da Lei Federal 4.591/64, que regula as questões relacionadas a condomínios e incorporações imobiliárias, temos que:
“Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afe- tação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. (…)§ 8º. Excluem-se do patrimônio de afetação: I – os recursos financeiros que excederem a importância necessária à con- clusão da obra (art. 44), considerando-se os valores a receber até sua conclusão e, bem assim, os recursos necessários à quitação de financiamento para a construção, se houver; e II – o valor referente ao preço de alienação da fração ideal de terreno de cada unidade vendida, no caso de incorporação em que a construção seja contratada sob o regime por empreitada (art. 55) ou por administração (art. 58).”
Sendo assim, o ativo afetado é composto por diferentes itens, tais como:
a) Terreno e Acessões: O terreno no qual o empreendimento será realizado faz parte do patrimônio de afetação, assim como todas as construções nele realizadas;
b) Equipamentos e Materiais de Construção: O material de construção adquirido para obra, desde cimento, tijolos, caixilhos, ferro e aço, e etc, assim como também eventuais equipamentos como por exemplo gruas, guindastes, etc.
c) Valores e Créditos relativos a Financiamentos: Crédito decorrente de financiamento obtido junto a instituições financeiras para o qual constituída garantia (hipoteca ou alienação fiduciária) sobre o imóvel do empreendimento, ou sobre os recebíveis pelas unidades vendidas, e;
d) Recebíveis referentes as unidades vendidas: Todas as parcelas provenientes das vendas das unidades, até o limite necessário à conclusão da obra.
Contudo, vale aqui a ressalva de que não haverá a afetação total das receitas do negócio, somente da soma necessária à consecução da edificação, demais obrigações acessórias e entrega aos adquirentes, sendo os valores que excedam esse valor necessário à conclusão da obra (lucro do incorporador) estão excluídos do patrimônio.
2. DA VINCULAÇÃO DO PATRIMÔNIO AFETADO:
Com a afetação, os bens se tornam impenhoráveis por dívidas estranhas à incorporação, e em se tratando de contingências que não tenham origem na própria obra, nem o terreno, muito menos os ativos da obra e os valores depositados em conta específica do empreendimento, poderão ser penhorados ou sofrer qualquer tipo de contingência, estando inclusive, protegidos de procedimento judiciais que eventualmente venham pleitear o alcance destes bens, excluindo as questões processuais subjetivas a estes patrimônio, bastando apenas e tão somente à incorporadora demonstrar judicialmente que esses valores são empenhoráveis em decorrência da proteção concedida pela afetação.
Desta feita, toda a obra é garantida pelo patrimônio de afetação, da fundação até o acabamento, até a entrega aos adquirentes. Por esse motivo, a averbação de afetação no registro de imóveis poderá ser baixada após a conclusão da obra e averbada à construção. Não obstante, o patrimônio afetado vincula-se ainda, diretamente a demais garantias em benefício do empreendimento e dos direitos de terceiros dele decorrentes, como:
– Débitos Trabalhistas, Tributários e Previdenciários relacionados à Incorporação: Compreende todas as obrigações que são inerentes a uma incorporação, ou seja, todos os débitos relativos aos trabalhadores do empreendimento, os débitos previdenciários e os impostos devidos (Regime Tributário Especial, IPTU, ISS, etc.);
– Débitos com Fornecedores da Incorporação: Qualquer obrigação assumida pela incorporadora cujo produto tenha sido destinado à obra é garantida pelo patrimônio de afetação, como por exemplo aluguel de maquinário, compra de material, prestadores de serviço contratados, etc;
– Débitos com a Instituição Financeira: Se houver financiamento da obra, também está inclusa a garantia de adimplemento à instituição financeira.
3. DA INSTITUIÇÃO DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO:
Via de regra, a instituição do patrimônio de afetação é uma faculdade do incorporador, que pode optar ou não pela afetação, a seu critério, conforme assim dispões o art. 31-A da Lei Federal 4.591/64.
Assim sendo, a sua instituição é um procedimento realizado perante o Cartório de Registro de Imóveis competente, o qual cabe ainda o respectivo Registro da Incorporação Imobiliária do Empreendimento, mediante averbação na matrícula do imóvel. Para isso, deve ser apresentado ao oficial de registro o respectivo Termo de Afetação assinado pelo representante da Incorporadora, indicando que se quer adotar o regime de afetação para aquela incorporação, bom como as demais informações necessárias à instituição do patrimônio, nos termos da Lei Federal 4.591/64.
IMPORTANTE: A afetação pode ser feita a qualquer momento, seja concomitantemente à incorporação, seja posteriormente, até a conclusão do empreendimento. Contudo, a instituição de patrimônio de afetação é irretratável, ou seja, uma vez optado no Cartório de Registro de Imóveis, não há como voltar atrás da afetação, excetuando-se apenas as hipóteses de sua extinção, definidas pelo art. 31 da Lei Federal 4.591/64:
“Art. 31-E. O patrimônio de afetação extinguir-se-á pela: I – averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento; II – revogação em razão de denúncia da incorporação, depois de restituídas aos adquirentes as quantias por eles pagas (art. 36), ou de outras hipóteses previstas em lei; e III – liquidação deliberada pela Assembleia geral nos termos do art. 31-F, § 1º.”
Demais particularidades:
– O termo de requisição da afetação deve ser assinado pelo representante da incorporadora (com contrato social e/ou procuração em anexo, que atribua poderes específicos ao representante), e além dele, se for o caso, devem assinar também: (I) aqueles que possuam compromisso de compra e venda do terreno a seu favor, registrados na matrícula do imóvel; (II) os proprietários do terreno, caso não sejam os incorporadores; e (III) eventuais adquirentes de unidades com os respectivos títulos registrados.
– A existência de ônus na matrícula não impede a averbação do patrimônio de afetação, desde que o ônus seja relacionado à realização do empreendimento (art. 31B, Lei Federal 4.591/64). Se houver, por exemplo, a hipoteca de financiamento da obra, é possível a averbação do termo de afetação. O que é vedado é a afetação de imóvel que esteja dado em garantia em contrato cuja origem não guarde relação com o empreendimento.
– No caso de empreendimentos executados em fases, como compostos de vários conjuntos de casas, ou mais de uma torre, é possível a instituição de um patrimônio de afetação para cada uma, conforme art. 31-A, §9 da Lei Federal 4.591/64. Nesses casos, a intenção de instituir mais de um patrimônio de afetação deverá ser declarada necessariamente no memorial de incorporação.
4. DA GESTÃO DO PATRIMÔNIO AFETADO:
É de exclusiva responsabilidade do incorporado a gestão do patrimônio afetado, tendo este o direito indiscutível de geri-lo, devendo contudo estar atrelado a deveres específicos, cujo fim destina-se a tutelar o interesse de todos os envolvidos e garantir a lisura dos processos e a finalidade da afetação.
Para evidenciar a separação do patrimônio afetado dos demais ativos e obrigações contraídas pelo incorporador, a lei determina uma contabilidade própria e uma conta bancária autônoma. As informações fiscais, financeiras e contábeis deverão estar organizadas para consulta, sob requerimento, do adquirente interessado, através da Comissão de Representantes. Trimestralmente, o incorporador deverá também enviar aos adquirentes um relatório geral sobre o andamento da obra e essas condições financeiras do empreendimento.
A movimentação da conta corrente do empreendimento no qual houve afetação, possui regras específicas e não é autorizado ao incorporador dispor livremente das quantias que sejam nela depositadas antes do término da obra. A lei autoriza a movimentação como reembolso, assim chamado porque ainda não houve o pagamento de todas as obrigações e apuração do lucro final do empreendimento. Desta forma, autoriza-se que algumas despesas sejam reembolsadas pelo incorporador ao longo da incorporação, como o valor do terreno e eventuais investimentos realizados.
Quando houver sido adiantados valores para aquisição do terreno por parte da incorporadora, estes investimentos poderão ser reembolsados à medida que as unidades imobiliárias forem vendidas.
O reembolso ocorre unicamente quando há a alienação da unidade, na proporção de sua fração ideal (Lei Federal 4.591/64, art. 31 A, §7º). Por isso, do valor pago pelo adquirente, poderá ser reembolsado o correspondente ao valor terreno da unidade adquirida. O restante, correspondente à construção e lucro da empresa, será destinado ao patrimônio de afetação. Mais importante: essa lógica é aplicável apenas quando houver prévio investimento da incorporadora na compra do terreno, a ser reembolsado pelo patrimônio. Quando forem ajustadas parcelas a serem pagas pela aquisição do terreno ao longo a execução da obra, após instituído o patrimônio de afetação, essas parcelas deverão entrar no fluxo do de caixa do patrimônio de afetação como despesa da execução.
Também poderão ser reembolsados aqueles valores que foram adiantados pelo incorporador, inclusive com relação a despesas para consecução do empreendimento realizadas antes das vendas das unidades. Todos os valores que tenham sido investidos previamente, que não sejam oriundos de financiamento para a obra ou de venda de unidades, poderão ser reembolsados à medida que as unidades foram sendo vendidas, conforme artigo 31 A, §6º da Lei Federal 4.591/64. Nesse caso, a lei não estabeleceu metodologia especial para o reembolso, como no valor do terreno, vez que se plastifica o entendimento segundo o qual estes reembolsos possam ser feitos, desde que não se comprometa a liquidez da obra e o adimplemento das despesas correntes do empreendimento, durante a afetação.
IMPORTANTE: Nos casos de aquisição do imóvel para incorporação mediante permuta por unidades imobiliárias, aplica-se de forma análoga o mesmo entendimento para a construção em condomínio, quando os coproprietários contratam um construtor para erguer um edifício, ou seja, o entendimento é que, pelo fato de não ter havido investimento no terreno, não há o que reembolsar. Assim, a integralidade das parcelas pagas pelos adquirentes deve ser destinada ao patrimônio de afetação, salvo existir outra hipótese de reembolso, que não o terreno.
5. DO DOMÍNIO REFERENTE AO PATRIMÔNIO AFETADO:
Mesmo com a instituição do patrimônio de afetação, todos os bens continuam sendo de total domínio da incorporadora, mas com características especiais que limitam o gozo desta propriedade. O que muda é que, a partir da afetação, os bens servirão à conclusão do empreendimento, não podendo ser usados para outras finalidades. Assim, por exemplo, o terreno só poderá ser dado em garantia em financiamento destinado àquela obra. Os bens se tornam incomunicáveis com o restante do patrimônio da incorporadora e não poderão responder por nenhum débito que seja posterior à afetação, inclusive quanto as unidades imobiliárias do estoque, as quais ainda não foram vendidas, permanecendo na esfera patrimonial do incorporador e afetadas para a finalização da construção e seus compromissos. Isto quer dizer que o incorporador poderá delas dispor, desde que haja saldo suficiente para a conclusão da obra e adimplemento de suas obrigações.
Quanto ao terreno do empreendimento, é possível a instituição de ônus sobre o imóvel afetado, dependendo da natureza do crédito.
As operações autorizadas a utilizar o imóvel afetado como garantia são aquelas que se destinam justamente a subsidiar o próprio empreendimento, nos termos do Art. 31-A, § 3° da Lei Federal 4.591/64.
Por fim, o incorporador poderá ainda, ceder plena ou fiduciariamente os direitos creditórios decorrentes da venda das unidades do empreendimento, desde que os recursos angariados com essa cessão sejam integrados ao patrimônio de afetação, vez que poderão estar à livre e a disposição do incorporador somente após o término da incorporação ou se excederem o montante necessário para o término e a individualização das unidades, lembrando ainda que se esses valores corresponderem a gastos que já foram realizados pela incorporadora ou referente a despesas prévias, pode o incorporador reavê-los mediante reembolso
Dr. Rodrigo Claudino Teixeira da Silva
OAB/SP: 184.207
Teixeira e Marques Advogados
FONTE:
– Lei Federal 4.591/64 – Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4591compilado.htm
– Lei Federal 10.931/04. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.931.htm