O direito brasileiro apresenta uma série de dispositivos que vedam, em alguns casos em particular, comportamentos de algum dos contratantes que por ventura se configurem incoerentes por si só. Além disso, nosso ordenamento também consagra em mesmos termos o chamado “nemo potest venire contra factum proprium”, teoria segundo a qual não é dado a parte, se beneficiar de um comportamento contraditório.

Contudo, tal teoria não tem disposição explícita no Código Civil ou em nossa Lei consumerista vigente (CDC), mas seu acolhimento decorre dos outros princípios que orientam as relações contratuais. Por essa teoria, proíbe-se o comportamento inesperado, que viola a boa-fé objetiva, causando surpresa na outra parte, ou seja, representa, desta forma, instrumento de proteção a razoáveis expectativas alheias e de consideração dos interesses de todos aqueles sobre quem um comportamento de fato possa vir a repercutir. Neste sentido, o princípio de proibição ao comportamento contraditório insere-se no núcleo de uma reformulação da autonomia privada e vincula-se diretamente ao princípio constitucional da solidariedade social, que consiste em seu fundamento mais elevado.

Contudo, se pode conceber nos dias de hoje, que tal princípio seja entendido como sendo regra geral de direito, de aplicação subsidiária e que proíba a incoerência contratual. Ao contrário, deve ser compreendida como uma expressão concretizante – ainda que abrangente de uma série relativamente ampla de situações e, por isso mesmo, digna da qualificação de princípio – da cláusula geral da boa-fé objetiva e da tutela da confiança.

Tal principio consiste, na verdade, em um princípio que proíbe comportamentos contraditórios APENAS NA MEDIDA EM QUE TAIS COMPORTAMENTOS POSSAM ROMPER A LEGÍTIMA CONFIANÇA DEPOSITADA POR OUTREM NA CONSERVAÇÃO DE UM COMPORTAMENTO INICIAL, representando desta forma, instrumento de proteção a razoáveis expectativas alheias e de consideração dos interesses de todos aqueles sobre quem um comportamento de fato possa vir a repercutir. Neste sentido, o princípio de proibição ao comportamento contraditório insere-se no núcleo de uma reformulação da autonomia privada e vincula-se diretamente ao princípio constitucional da solidariedade social, que consiste em seu fundamento mais elevado, enquadrando-se na chamada “função restritiva do exercício abusivo de direitos” da boa-fé objetiva, por meio da repressão ao abuso do direito, conforme art. 187 do Código Civil, vejamos:

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

A utilidade deste princípio, sob os aspectos supra, é dar maior concretude à cláusula geral de boa-fé objetiva, que vem sendo empregada como justificativa ética de decisões que nada dizem com o seu conteúdo técnico e suas funções, em um cada vez mais evidente processo de superutilização.

Além disso, a comum referência à boa-fé objetiva como fundamento normativo e a proibição do “venire contra factum proprium”, ou teoria dos atos próprios, visa na verdade proteger a parte contra aquele que deseja exercer um status jurídico em contradição com um comportamento assumido anteriormente, e pode ser aplicada como expressão direta do princípio da solidariedade social, não restando limitada por uma positivação equivocadamente restritiva (como ocorre com a boa-fé objetiva no atual Código Civil brasileiro).

Não obstante, os tribunais têm inclusive vedado o comportamento incoerente também da Administração Pública ou de partes envolvidas em relações extracontratuais, por meio da aplicação direta do “nemo potest venire contra factum proprium” ou da invoação de outros institutos por meio dos quais ele se faça sentir.

Sendo assim, são pressupostos para a configuração do “nemo potest venire contra factum proprium“:

De mais a mais, deve-se observar que quanto ao “factum proprium”, sua caracterização acaba sendo quase sempre qualificada como um comportamento “em tese” não vinculante, uma vez que a contradição de um comportamento a que o próprio ordenamento positivo já atribui força vinculante (por exemplo, um contrato ou um negócio jurídico unilateral) atrai por si só uma sanção legalmente prevista, como a responsabilidade obrigacional. Em tais casos, afigura-se desnecessária a invocação da confiança, senão excepcionalmente como meio de temperar os rigores da repressão aplicável.

O “factum proprium” deve, portanto, ser um comportamento ao qual o ordenamento positivo normalmente não atribui efeitos vinculantes. E é justamente nesta questão que reside um dos principais atrativos do “nemo potest venire contra factum proprium”: sua aptidão em tutelar situações que antes eram mantidas à margem do direito positivo, relegadas a uma pretensa categoria de “atos jurídicos irrelevantes” ou “situações meramente de fato”.

Protegendo a confiança despertada por comportamentos não contemplados em lei, o princípio de proibição ao comportamento contraditório diminui a incerteza e a insegurança que caracterizam as sociedades atuais, cada vez mais complexas e dinâmicas.

Já em se tratando do pressuposto da legítima confiança, cumpre ressaltar que o princípio em tela não exige a demonstração de uma crença romântica ou psicológica na coerência alheia. A confiança vem aí entendida em sentido objetivo, ou seja, como adesão ao dignificado exterior do “factum proprium“.

No que diz respeito ao terceiro pressuposto, a contradição ao “facum proprium”, deve-se enfatizar a irrelevância da intenção de contrariar ou de romper a confiança de outrem, visto que tal teoria é um princípio estritamente objetivo, fundado na proteção ao outro, e não no âmbito subjetivo de quem age de forma incoerente. É de se observar, ainda, que o comportamento contraditório configura sempre um comportamento aparentemente lícito, que somente vem a ser tido como inadmissível, quando da presença dos demais pressupostos de incidência acima.

A finalidade do “nemo potest venire contra factum proprium” é impedir que a incoerência e a consequente ruptura da confiança causem prejuízo àquele que aderir ao sentido objetivo da conduta inicial, daí ser necessário demonstrar, como último pressuposto, alguma espécie de prejuízo, seja ele efetivo ou apenas em algum grau de potencialidade, de ordem patrimonial ou moral, que, associando-se à ruptura das expectativas legítimas, justifique a inadmissibilidade da contradição ou a respectiva reparação.

Dr. Rodrigo Claudino Teixeira da Silva
OAB/SP: 184.207
Teixeira e Marques Advogados

[1] 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho: Evento promovido pela ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), que reuniu mais de 600 juízes, procuradores e auditores fiscais do Trabalho, além de advogados e outros operadores do Direito, que debateram sobre a interpretação e aplicação da Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), com o objetivo de organizar os enunciados por assunto e de facilitar a pesquisa para todos aqueles que, de uma forma ou de outra, lidam com o Direito do Trabalho em seu dia a dia, em especial Juízes, Desembargadores e advogados trabalhistas.

[2] Correia, Henrique. Direito do Trabalho. Editora Juspodvin. 4ª Edição. 2018. Pág. 332.

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